O Último Tiro de Lampião



1894. O mundo cheirava a pólvora, suor e couro. Rafael já não era um menino; o cabelo branco começava a desenhar um risco prateado na barba, e a pele tinha os vincos das estradas que ele cruzou. Diziam por aí que El Paso carregava cartazes com seu rosto — mas o nome que queimava era outro quando a noite caía: Lampião.
A cabana onde dormia era um buraco de rato, madeira apodrecida e chão que rangia. Fazia tempo que não saía. Fazia tempo que não acordava lembrando dos tiros, dos corpos, daquilo que chama poder e deixa vazio por dentro. As lembranças batiam como a chuva fina que abre as poças de lama — e no fundo do barro havia sempre o mesmo gosto: chumbo e saudade.



Mas naquela noite, tinha algo diferente no ar. Não era só o cheiro de fumo e sangue. Era o som de passos femininos vindo do alpendre, a batida de uma saia em madeira, um leve arrastar de couro que prometia perigo e promessa igual. Quem apareceu foi ela: Rosa, a mulher que cavalgava como quem domina cidade inteira. Morena, boca grossa, olho que não perdoa e carrega no corpo a mesma geografia de cicatriz que os homens tem pelas estradas. Veio com uma lamparina na mão, um sorriso torto e uma intenção que não se escondia.

— Já faz mó tempo que tu tá enferrujado, né, Lampião? — ela falou, voz baixa e quente, e deixou a lamparina no chão, o brilho tremendo nos olhos. — Essa cabana fede a merda de rato, mas quem liga se o rato tem fogo no olhar?

Rafael riu, devagar, com o gosto de pólvora preso na garganta. Levantou do banco de feno, arrumou a bandana e fez um gesto de convite que era pouco mais que uma ordem. Rosa entrou sem cerimônia, tirou as botas uma a uma, como quem descarrega munição. O calor dos corpos aumentou a temperatura do cômodo, a madeira chiou e até as sombras pareceram se encostar pra ver.

Eles se estudaram como dois pistoleiros diante da rua — uma medição rápida, sentida no corpo. Mas em vez de sacar arma, Rosa pegou o punho do revólver de Rafael — não a arma, a mão — e a levou devagar até a boca. Fechou os lábios em volta daquele punho como quem sela um pacto. O beijo foi inicial, depois invasão: a língua de Rosa entrou quente e autoritária, os dentes arranharam o lábio de Rafael. Ele a puxou pelo coque, arrancou o laço e enfiou os dedos no cabelo dela como quem segura a sola de um cavalo quando é para domar.

— Aqui não é a lei do inferno — murmurou ela, entre beijos. — Aqui é a lei dos homens... e de quem tiver coragem de mandar em mim.

Rafael empurrou-a para a cama de palha, e foi lento. Lento porque toda forma de pressa ali já tinha matado gente demais. Mas ele tinha outro tipo de pressa: a que faz você querer provar cada curva, cada dobra de carne. Rosa abriu a blusa com um só movimento, os botões voando como moedas. Por baixo, pele morena brilhando, seios firmes que pediam a palma da mão. A cabana cheirava a óleo, suor e a um vinho rústico que Rosa trazia sempre escondido na cintura.

— Mostra que é gatilho rápido — ela sussurrou, voz grossa, a mão dela pousada na base do pau dele, sentindo as veias baterem. — Me mostra o que tu sabe fazer.

O tom era provocação, desafio e convite. Rafael não queria só mostrar, queria marcar. Sacou do corpo dela, não da cintura, e foi direto. Como dizia a canção que guiou sua vida, ele tinha munição pra seis e não hesitava. Rosa não recuou; quando sentiu aquela primeira investida, arqueou as costas, dentes cerrados, e deixou o prazer subir como pólvora acesa.

Ela montou nele com calma e violência, cavalgando firme, como quem controla um cavalo selvagem em laje de pedra. Cada movimento tinha som: pele batendo na palha, gemidos cortando a noite, a respiração fazendo mangueira de fumaça. Rosa fazia a cama ranger com as nádegas, virando ritmo de dança e batalha; Rafael mordia o ombro dela e respondia a cada comando do corpo com estocadas que queriam gravar o nome dela na carne.

— Vai, Lampião! — ela urrava. — Mete esse revólver até a coronha!

Os palavrões eram carícias. No auge de uma investida, Rafael a virou, segurou pelas coxas e cravou com força até o osso. Rosa gritou alto, e o grito dela era como sinal de vitória numa cidade tomada. As unhas de Rosa arranharam as costas de Rafael, fazendo sangue e prazer se misturarem — eles beberam dos dois.

Ele a segurou pelas nádegas, girou, estocou, depois parou. Cospe na terra com poça d’água que, naquela cabana, era o chão suado, e assoprou a fumaça do cigarro que acendeu com a ponta da língua. Rosa riu, um som rouco, e puxou sua mão de volta para dentro, conduziu-a ao próprio corpo. Pediu para ele disparar, não com o cano mas com o corpo. E ele disparou: primeiro curto, depois longo, até as pernas tremerem e a boca de Rosa formar um “ah” que era quase prece.

Eles gozaram juntos, com uma violência precisa, como se fossem contar cada bala. Quando a respiração já vinha lenta, Rosa deitou ao lado de Rafael e encostou a cabeça no ombro dele. O mundo lá fora continuava sendo terra de psicopatas, juízes sujos e patrões com dinheiro escondido — mas por um momento, na madeira fedida da cabana, só havia corpo e calor.

— Já enforquei muita gente — disse Rafael, voz grossa, lembrando o passado. — Já matei capangas, Clay e todos os nomes que vagavam com coragem falsa.

— E agora? — Rosa perguntou, mão brincando com a cicatriz do peito dele. — Agora tu vai sair, matar mais e voltar? Ou vai ficar aqui e fazer amor comigo até a pólvora virar saudade?

Rafael sorriu. Levantou, pegou a bandana, colocou no rosto, não para sair, mas como troféu. Levantou Rosa nos braços e deu um giro, quase brincadeira, quase dança. O olhar dele era decisão que vinha do fundo do peito.

— Já devastei essa terra — murmurou. — E se precisar, devastarei de novo. Mas por hoje... hoje eu vou devastar só você, Rosa.

E deixou. Deixou-se devorar outra vez. A pornografia maior era o domínio: Rosa montando, descendo devagar, subindo reptiliana, mordendo o pescoço, gemendo ordens. Ele respondia com estocadas que chegavam até a medula. E quando a noite foi mais escura e o frio arrefeceu, Rose e ele juraram, na respiração úmida, que fariam do instante algo tão grande quanto uma bandeira. O mundo podia tanger as entradas e mandar o inferno comer, mas ali dentro, a lei era deles.


---

Os anos dobraram. 1908 trouxe mais cadáveres, mas também cicatrizes novas. Butch Cassidy e Sundance Kid viraram lenda e pó, as estradas fecharam seus caminhos. Às vezes, o velho Rafael lembrava dos tiros que arrancaram o dia de muitos. Às vezes, sentia o peso do chumbo e da canção: “Seis balas, que vara a cabeça e massacra.” E ainda assim — mesmo com a barba grisalha e os olhos cansados — quando Rosa aparecia na soleira da porta com a bandana e o olho de quem registrou uma cidade inteira embaixo do corpo, ele ainda pegava no revólver. Só que agora, o revólver era outro: era a boca, era a mão, era tudo aquilo que fazia a pele dela chamar.

Eles viraram dois fósseis vivos, amantes de passo lento, dois sobreviventes fardados de amor bruto. Havia um último assalto marcado — 1911, uma corte nova, o tempo de lucro e páginas contadas — e eles foram. Mas entre tiro e pega, entre saque e fuga, havia sempre a mesma coisa: quando a noite caía e a poeira abaixava, Rosa e Rafael brincavam com o metal, giravam a cena e, pela última vez naquele ano, usaram a munição toda dentro do outro.

— Cospe na terra com poça d’água — Rosa riu, passando a língua por entre os lábios. — Assopra fumaça. Bala que sai pelo cano da arma. E depois me come.

E quando ele disparou — não a arma, mas o desejo — a fumaça encheu o quarto. As paredes ecoaram o som seco de pele batendo, o ranger da cama, o ruído dos suspiros. E no final, quando tudo se aquietou, Rosa encostou a cabeça no peito de Rafael e disse, com voz mole de quem venceu guerra:

— O inferno aqui pode tá faminto. Mas a gente nunca passa fome.

Rafael apertou a mão dela, a pele quente, a boca marcando o pescoço como prova. No mapa do tempo, havia latifúndios, dinheiro, cadáveres enterrados em qualquer buraco. Mas ali, aquele minuto, com a bandana manchada de suor e sangue, era a única coisa que fazia sentido: dois corpos, munição pra seis, e o último tiro que ecoava no silêncio — um tiro de prazer.
O Último Tiro do Lampião (conto)

1894. O mundo cheirava a pólvora, suor e couro. Rafael já não era um menino; o cabelo branco começava a desenhar um risco prateado na barba, e a pele tinha os vincos das estradas que ele cruzou. Diziam por aí que El Paso carregava cartazes com seu rosto — mas o nome que queimava era outro quando a noite caía: Lampião.
A cabana onde dormia era um buraco de rato, madeira apodrecida e chão que rangia. Fazia tempo que não saía. Fazia tempo que não acordava lembrando dos tiros, dos corpos, daquilo que chama poder e deixa vazio por dentro. As lembranças batiam como a chuva fina que abre as poças de lama — e no fundo do barro havia sempre o mesmo gosto: chumbo e saudade.



Mas naquela noite, tinha algo diferente no ar. Não era só o cheiro de fumo e sangue. Era o som de passos femininos vindo do alpendre, a batida de uma saia em madeira, um leve arrastar de couro que prometia perigo e promessa igual. Quem apareceu foi ela: Rosa, a mulher que cavalgava como quem domina cidade inteira. Morena, boca grossa, olho que não perdoa e carrega no corpo a mesma geografia de cicatriz que os homens tem pelas estradas. Veio com uma lamparina na mão, um sorriso torto e uma intenção que não se escondia.

— Já faz mó tempo que tu tá enferrujado, né, Lampião? — ela falou, voz baixa e quente, e deixou a lamparina no chão, o brilho tremendo nos olhos. — Essa cabana fede a merda de rato, mas quem liga se o rato tem fogo no olhar?

Rafael riu, devagar, com o gosto de pólvora preso na garganta. Levantou do banco de feno, arrumou a bandana e fez um gesto de convite que era pouco mais que uma ordem. Rosa entrou sem cerimônia, tirou as botas uma a uma, como quem descarrega munição. O calor dos corpos aumentou a temperatura do cômodo, a madeira chiou e até as sombras pareceram se encostar pra ver.

Eles se estudaram como dois pistoleiros diante da rua — uma medição rápida, sentida no corpo. Mas em vez de sacar arma, Rosa pegou o punho do revólver de Rafael — não a arma, a mão — e a levou devagar até a boca. Fechou os lábios em volta daquele punho como quem sela um pacto. O beijo foi inicial, depois invasão: a língua de Rosa entrou quente e autoritária, os dentes arranharam o lábio de Rafael. Ele a puxou pelo coque, arrancou o laço e enfiou os dedos no cabelo dela como quem segura a sola de um cavalo quando é para domar.

— Aqui não é a lei do inferno — murmurou ela, entre beijos. — Aqui é a lei dos homens... e de quem tiver coragem de mandar em mim.

Rafael empurrou-a para a cama de palha, e foi lento. Lento porque toda forma de pressa ali já tinha matado gente demais. Mas ele tinha outro tipo de pressa: a que faz você querer provar cada curva, cada dobra de carne. Rosa abriu a blusa com um só movimento, os botões voando como moedas. Por baixo, pele morena brilhando, seios firmes que pediam a palma da mão. A cabana cheirava a óleo, suor e a um vinho rústico que Rosa trazia sempre escondido na cintura.

— Mostra que é gatilho rápido — ela sussurrou, voz grossa, a mão dela pousada na base do pau dele, sentindo as veias baterem. — Me mostra o que tu sabe fazer.

O tom era provocação, desafio e convite. Rafael não queria só mostrar, queria marcar. Sacou do corpo dela, não da cintura, e foi direto. Como dizia a canção que guiou sua vida, ele tinha munição pra seis e não hesitava. Rosa não recuou; quando sentiu aquela primeira investida, arqueou as costas, dentes cerrados, e deixou o prazer subir como pólvora acesa.

Ela montou nele com calma e violência, cavalgando firme, como quem controla um cavalo selvagem em laje de pedra. Cada movimento tinha som: pele batendo na palha, gemidos cortando a noite, a respiração fazendo mangueira de fumaça. Rosa fazia a cama ranger com as nádegas, virando ritmo de dança e batalha; Rafael mordia o ombro dela e respondia a cada comando do corpo com estocadas que queriam gravar o nome dela na carne.

— Vai, Lampião! — ela urrava. — Mete esse revólver até a coronha!

Os palavrões eram carícias. No auge de uma investida, Rafael a virou, segurou pelas coxas e cravou com força até o osso. Rosa gritou alto, e o grito dela era como sinal de vitória numa cidade tomada. As unhas de Rosa arranharam as costas de Rafael, fazendo sangue e prazer se misturarem — eles beberam dos dois.

Ele a segurou pelas nádegas, girou, estocou, depois parou. Cospe na terra com poça d’água que, naquela cabana, era o chão suado, e assoprou a fumaça do cigarro que acendeu com a ponta da língua. Rosa riu, um som rouco, e puxou sua mão de volta para dentro, conduziu-a ao próprio corpo. Pediu para ele disparar, não com o cano mas com o corpo. E ele disparou: primeiro curto, depois longo, até as pernas tremerem e a boca de Rosa formar um “ah” que era quase prece.

Eles gozaram juntos, com uma violência precisa, como se fossem contar cada bala. Quando a respiração já vinha lenta, Rosa deitou ao lado de Rafael e encostou a cabeça no ombro dele. O mundo lá fora continuava sendo terra de psicopatas, juízes sujos e patrões com dinheiro escondido — mas por um momento, na madeira fedida da cabana, só havia corpo e calor.

— Já enforquei muita gente — disse Rafael, voz grossa, lembrando o passado. — Já matei capangas, Clay e todos os nomes que vagavam com coragem falsa.

— E agora? — Rosa perguntou, mão brincando com a cicatriz do peito dele. — Agora tu vai sair, matar mais e voltar? Ou vai ficar aqui e fazer amor comigo até a pólvora virar saudade?

Rafael sorriu. Levantou, pegou a bandana, colocou no rosto, não para sair, mas como troféu. Levantou Rosa nos braços e deu um giro, quase brincadeira, quase dança. O olhar dele era decisão que vinha do fundo do peito.

— Já devastei essa terra — murmurou. — E se precisar, devastarei de novo. Mas por hoje... hoje eu vou devastar só você, Rosa.

E deixou. Deixou-se devorar outra vez. A pornografia maior era o domínio: Rosa montando, descendo devagar, subindo reptiliana, mordendo o pescoço, gemendo ordens. Ele respondia com estocadas que chegavam até a medula. E quando a noite foi mais escura e o frio arrefeceu, Rose e ele juraram, na respiração úmida, que fariam do instante algo tão grande quanto uma bandeira. O mundo podia tanger as entradas e mandar o inferno comer, mas ali dentro, a lei era deles.


---

Os anos dobraram. 1908 trouxe mais cadáveres, mas também cicatrizes novas. Butch Cassidy e Sundance Kid viraram lenda e pó, as estradas fecharam seus caminhos. Às vezes, o velho Rafael lembrava dos tiros que arrancaram o dia de muitos. Às vezes, sentia o peso do chumbo e da canção: “Seis balas, que vara a cabeça e massacra.” E ainda assim — mesmo com a barba grisalha e os olhos cansados — quando Rosa aparecia na soleira da porta com a bandana e o olho de quem registrou uma cidade inteira embaixo do corpo, ele ainda pegava no revólver. Só que agora, o revólver era outro: era a boca, era a mão, era tudo aquilo que fazia a pele dela chamar.

Eles viraram dois fósseis vivos, amantes de passo lento, dois sobreviventes fardados de amor bruto. Havia um último assalto marcado — 1911, uma corte nova, o tempo de lucro e páginas contadas — e eles foram. Mas entre tiro e pega, entre saque e fuga, havia sempre a mesma coisa: quando a noite caía e a poeira abaixava, Rosa e Rafael brincavam com o metal, giravam a cena e, pela última vez naquele ano, usaram a munição toda dentro do outro.

— Cospe na terra com poça d’água — Rosa riu, passando a língua por entre os lábios. — Assopra fumaça. Bala que sai pelo cano da arma. E depois me come.

E quando ele disparou — não a arma, mas o desejo — a fumaça encheu o quarto. As paredes ecoaram o som seco de pele batendo, o ranger da cama, o ruído dos suspiros. E no final, quando tudo se aquietou, Rosa encostou a cabeça no peito de Rafael e disse, com voz mole de quem venceu guerra:

— O inferno aqui pode tá faminto. Mas a gente nunca passa fome.

Rafael apertou a mão dela, a pele quente, a boca marcando o pescoço como prova. No mapa do tempo, havia latifúndios, dinheiro, cadáveres enterrados em qualquer buraco. Mas ali, aquele minuto, com a bandana manchada de suor e sangue, era a única coisa que fazia sentido: dois corpos, munição pra seis, e o último tiro que ecoava no silêncio — um tiro de prazer.

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